Seminário internacional debate crise na União Europeia

Romper com a integração capitalista<br>por uma Europa dos trabalhadores

Carlos Nabais (texto)
Jorge Caria (fotos)

Sob o lema «Uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos. Direitos, justiça social, cooperação e soberania», realizou-se, dia 12, na biblioteca municipal de Alcochete, um seminário que analisou o aprofundamento da crise económica e apontou a necessidade da ruptura com a integração capitalista, para abrir caminho a uma Europa de estados soberanos ao serviço dos interesses dos trabalhadores.

«A nossa estratégia de luta não passa nem por embarcar em engodos reformistas, como o da “refundação da União Europeia” ou do “mais Europa para sair da crise”, nem por alimentar soluções fáceis e aparentemente correctas desligadas da realidade»

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Na abertura do seminário, o deputado João Ferreira traçou um retrato da crise com base nos mais recentes dados do Eurostat (ver caixa), que confirmam a generalização da recessão económica na União Europeia, onde o desemprego não cessa de aumentar, ultrapassando já os 26 milhões de pessoas, 19 milhões das quais na zona euro.

«Os desenvolvimentos da crise e o alastramento das suas dramáticas consequências no plano social confirmam a impossibilidade de conciliação dos pilares e do rumo da União Europeia com os direitos, os interesses e as aspirações dos povos da Europa», referiu o deputado do PCP ao Parlamento Europeu.

Ao longo dos trabalhos, dirigidos por Vasco Paleta, do Executivo da DORS do PCP, dezena e meia de intervenções abordaram de diferentes ângulos aquela que foi considerada por José António Rubio como a «crise económica mais profunda do sistema capitalista desde a de 1929, que originou a II Guerra Mundial».

O responsável da Secretaria de Economia da Esquerda Unida (Espanha) fez questão de salientar que o seu partido a qualifica como «uma crise sistémica e não simplesmente como uma crise financeira».

A violência das consequências desta crise para os trabalhadores e povos foi ilustrada com eloquência por Stavros Evagorou, membro do Bureau Político do AKEL, que lembrou o recente assalto à economia cipriota por parte da troika, assinalando que «o corte nos depósitos no Chipre constitui uma violação da propriedade privada que é o primeiro princípio do modo de produção capitalista».

«Não houve cortes em relação ao Deutsche Bank, mas foram aplicados ao Banco Popular e ao Banco do Chipre. Não só estão a roubar salários aos trabalhadores, mas também fundos que pertencem ao povo e poupanças acumuladas durante décadas por milhares de cipriotas», disse Stavros Evagorou, alertando que «a mensagem transmitida é a de que nada está a salvo, a menos que esteja nas metrópoles do capitalismo».

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Contradições insanáveis

Descrevendo o agravamento da situação no seu país e não escondendo a desilusão com a acção do presidente socialista François Hollande – que em vez de austeridade escolheu a palavra «rigor» para dar cobertura às suas medidas anti-sociais –, Jacky Henin, deputado do Partido Comunista Francês ao PE, chamou a atenção para as consequências da financeirização da economia, dando como exemplo a indústria automóvel.

«Sabemos, podemos e temos necessidade de produzir, mas a fracção financeira do patronato não tem interesse nisso e prefere sacrificar no altar da especulação não apenas numerosas famílias operárias, mas também quadros e técnicos».

Henin considerou ainda que «quando um modo de produção se torna parasitário em relação às necessidades de uma sociedade, é certo que uma viragem histórica se aproxima, e somos nós que a temos de agarrar.»

No entanto, como um pouco depois sublinhou José Alberto Lourenço, membro da Comissão para os Assuntos Económicos junto do CC, o grau de financeirização da economia, «mais do que uma opção política, é produto do próprio funcionamento do sistema capitalista na actual fase do seu desenvolvimento». «A hegemonia do capital financeiro em detrimento do capital produtivo significa, por um lado, um gigantesco desperdício e destruição de forças produtivas, bem visível nos níveis crescentes de desemprego, e por outro, a apropriação pelos grandes grupos económicos e financeiros de uma cada vez maior fatia da mais-valia criada».

E se é certo que a crise do capitalismo não poupa sequer as grandes economias europeias, em Portugal, na sequência do processo de restauração monopolista e reversão das transformações económicas e sociais operadas com o 25 de Abril de 1974, a rota de desastre nacional foi há muito antecipada pelo PCP.

Como recordou Inês Zuber, deputada do PCP ao PE, logo na Conferência Económica, realizada pelo Partido em Maio de 1980, se concluiu que «o mercado comum procuraria fazer estagnar, submeter, absorver ou liquidar sectores da economia portuguesa concorrentes com os sectores em crise no Mercado Comum e que procuraria dificultar o desenvolvimento económico de Portugal, tendente ao aproveitamento dos recursos naturais para o bem do nosso País, e procuraria apropriar-se dos recursos portugueses».

«Falámos do desastre que tal opção constituiria. Hoje, a evolução da UE e a situação em que Portugal se encontra comprovam mais uma vez o acerto das posições que tomámos», salientou Inês Zuber.

Vinte anos depois da entrada na CEE, num encontro nacional realizado em Dezembro de 2006, ali lembrado por Ricardo Oliveira, membro do CC, os comunistas portugueses voltaram alertar para os resultados perniciosos da destruição do aparelho produtivo. Em resultado dessa «incapacidade de produzir», a balança de transacções correntes «agravou-se mais de 54 vezes entre 1986 e 2008, ano em que atingiu os 21,7 mil milhões de euros».

Mas tal como é apresentada nos media dominantes, «a crise que parece ter nascido, não de pais incógnitos, mas sem mãe e sem pai, um milagre (…) sem causas nem responsáveis, para não se dar o caso de os povos descobrirem que do que realmente se trata é de uma crise estrutural e sistémica do sistema capitalista que para ser debelada necessita de pôr em causa o próprio sistema», observou Rui Paixão, membro do CC.

Os ataques aos direitos laborais, tema desenvolvido por Rui Paixão, aos serviços públicos e às chamadas «funções sociais» do Estado, de que falou Ana Oliveira, do Gabinete de Estudos da CGTP-IN, a natureza parasitária e especulativa da Banca, explicada por José António Cabrita, presidente do Sindicato Nacional da Actividade Financeira, o recrudescimento da xenofobia e do racismo, referido por Francisco Pereira, membro do CC, ou a necessidade de um movimento sindical de classe capaz de «galvanizar os trabalhadores para pôr fim ao sistema que afoga a Europa», como salientou Augusto Praça, responsável do sector internacional da CGTP-IN, foram alguns outros aspectos analisados no seminário.

A alternativa existe

No seu contributo para a reflexão, Sérgio Ribeiro, membro da DORSA, trouxe uma passagem do livro de Abel Salazar, A Crise da Europa (1942), em que o ilustre pensador conclui que «o problema económico, como o político e o social, da actual Europa» só será resolvido «pelo próprio jogo mecanóide das forças históricas, segundo as leis da sucessão e articulação de sistemas», num período longo que será marcado por conflitos de forças, nos quais se integram precisamente «a acção dos homens, mesmo a utopia».

Para actual o momento histórico, o PCP propõe «uma política alternativa, patriótica e de esquerda e um governo que a concretize». Um proposta, como explicou Maurício Miguel, responsável pelo Secretariado da representação do PCP no PE, que «interpreta e exprime as aspirações e anseios do nosso povo e o seu direito inalienável à soberania e ao desenvolvimento, à democracia e à justiça social. Uma proposta que a concretizar-se abriria caminho a novos patamares de luta de carácter antimonopolista e anticapitalista que a situação nacional e na UE reclamam. Uma proposta que tem uma dimensão internacionalista, contribuindo e exigindo uma acção convergente com outros povos e outros países da União Europeia, nomeadamente aqueles que, como Portugal, são vítimas do processo de especulação e ingerência por parte da UE e de estruturas do capitalismo internacional como o FMI.

Crise e ruptura

Já no período de encerramento dos trabalhos, Ângelo Alves, membro da Comissão Política, distinguiu duas vertentes da actual crise. A primeira reflecte o «aprofundamento da crise estrutural do capitalismo: seja por via da crise de sobreprodução e sobreacumulaçao de capital que está na raiz dos problemas económicos de fundo na Europa, seja pelas consequências do aprofundamento das contradições entre o chamado centro da Europa e a chamada periferia e também entre a União Europeia enquanto pólo imperialista e outros pólos do imperialismo como os EUA».

«Esta é a razão de fundo da espiral de exploração, de destruição económica e de ataques à democracia e à soberania a que estamos a assistir. Tal como é a razão de fundo do aprofundamento do carácter neoliberal, federalista e militarista da União Europeia».

Por outro lado, disse ainda Ângelo Alves, «o desenvolvimento da crise tornou mais visível e perceptível a real natureza da União Europeia e demonstra como uma erradamente chamada integração – assente não em princípios de solidariedade, cooperação e coesão, mas antes em projectos de domínio económico e político e imposição de interesses alheios aos interesses dos povos – entra rapidamente em crise em função das contradições que um processo desta natureza encerra desde o seu início.» Por tudo isto «vivemos não apenas uma crise na União Europeia mas também uma profunda crise da União Europeia».

Colocada a questão da ruptura com o processo de integração capitalista, Margarida Botelho, membro da Comissão Política e responsável da DORS, que encerrou os trabalhos, esclareceu que «tal ruptura não é um acto súbito, um momento, mas sim um processo de acumulação de forças que evolui consoante a conjugação dos factores internos e externos da luta contra o grande capital, pelo progresso social e o socialismo.

«É por isso que a nossa estratégia de luta não passa nem por embarcar em engodos reformistas, como o da «refundação da União Europeia» ou do «mais Europa para sair da crise», nem por alimentar soluções fáceis e aparentemente correctas que, desligadas da realidade da correlação de forças, podem conduzir a luta a becos sem saída.

«Será na concretização da política alternativa, patriótica e de esquerda, que as decisões necessárias para assegurar a indispensável afirmação dos interesses nacionais – nomeadamente a decisão sobre a saída da União Europeia – serão colocadas. Sempre de acordo com a realidade existente, de acordo com os interesses do povo e do País e de uma verdade que é já hoje inegável: a Democracia Avançada que o PCP preconiza para Portugal não pode ser desenvolvida no quadro dos condicionamentos e imposições da União Europeia».

Os números da crise

«Confirma-se uma quebra no produto em 2012 de 0,3% no conjunto da UE e de 0,6% (o dobro) na Zona Euro. Na Grécia, essa quebra superou os 6%, em Portugal os 3%, em Chipre e na Itália os 2%, na Espanha ronda 1,5%.

São já mais de 26 milhões os desempregados na União Europeia, dos quais mais de 19 milhões na Zona Euro. Números oficiais que, como sabemos, estão longe de traduzir fielmente a verdadeira dimensão deste drama. Face ao ano anterior, a taxa de desemprego em 2012 aumentou 11% no conjunto da UE e 12% na Zona Euro. Na Grécia a taxa de desemprego passou de 21% para 26%, em Espanha de 24% para 26%, em Portugal de 15% para 18%. Entre os mais jovens os números adquirem outra expressão: 31% na Irlanda, 38% em Portugal e na Itália, 56% em Espanha e 58% na Grécia.

Confirma-se a quebra na produção industrial – cerca de 2% (de variação anual) no conjunto da UE, o mesmo em Portugal, 5% em Espanha e na Grécia; quebra na construção – cerca de 10% na UE, 20% em Portugal, 19% na Grécia, 10% em França.

Os dados relativos à balança comercial (intra e extra-comunitária) dos estados-membros continuam a revelar disparidades que vão do superavit alemão de aproximadamente 187 mil milhões de euros aos défices de Portugal (11 mil milhões), Grécia (20 mil milhões), Espanha (32 mil milhões) ou França (82 mil milhões), apenas para referir alguns exemplos.»

(Da intervenção de João Ferreira)




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